domingo, 1 de novembro de 2009

Corpo

















"O enigma consiste em que o meu corpo é ao mesmo tempo vidente e visível. Ele, que mira todas as coisas, pode também olhar-se, e reconhecer então naquilo que vê o «outro lado» do seu poder vidente. Ele vê-se vendo, toca-se tocando, é visível e sensível para si mesmo." ( Ponty:2006, 20 e 21).

Escolhi o livro O olho e o espírito de Merleau-Ponty para falar sobre a temática do corpo por dois motivos: primeiro pela maneira como Ponty o aborda, elaborando uma teoria do real num corpo próprio, no ser em si mesmo, segundo porque muitos dos assuntos tratados neste livro são importantes tanto para o meu projecto artístico, como para o problema da pintura em geral.
Em primeiro lugar, mais do que uma expressão do corpo, ou até do próprio ser, este livro aborda especificamente a pintura e o problema da visão. Segundo Ponty, a pintura é o reflexo da 'visibilidade' interior do sujeito. O mundo é encarado não na sua generalidade, contendo os outros seres, mas é sim, 'contido' num corpo próprio. O olho que vê é o olho do sujeito e tudo o que existe é percepcionado conforme os sentidos do corpo próprio que apreende o real.
É interessante como Ponty une o pintor à obra, propõe quase uma incorporação entre o corpo/espírito do artísta e o 'corpo' da obra, no sentido em que o pintor empresta o seu corpo ao mundo e transforma-o em pintura.
É igualmente interessante o elemento espelho que traduz a interacção entre aquele que vê e entre aquele que se dá a ver, servindo de metáfora entre o interior (humano) e um exterior que se não conhece, ou que se dá apenas a conhecer através do contacto com o outro e, simultaneamente, com nós mesmos.
Ponty constrói, no meu ver, uma teoria do acto criativo de forma quase visceral, no sentido em que existe um envolvimento físico/emocial entre o pintor e o quadro que é tocado e que incorpora o espírito e a sensibilidade do artista. É algo que me diz particularmente...
O meu projecto artístico vive constantemente desta sensibilidade entre corpo e alma humana. Procuro sempre transmitir algo de interior, não apenas só corporal, uma vez que me interessa captar expressões humanas, quer seja através de elementos figurativos ou abstractos. Achei uma frase deste livro particularmente interessante «numa floresta senti, várias vezes que não era eu que olhava a floresta. Senti, em certos dias, que eram as árvores que me olhavam que me falavam...»
O olho e o espírito mostra-me como esta abordagem do ser que vive em situação no mundo, profundamente só, mesmo que em contacto com os outros revela algo de dramático. É a mesma e paixão e drama que se vive na pintura.

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